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03 DE JULHO DE 2024
STJ Jurisprudência divulga ementa de processo sobre patrimônio histórico-cultural, imóvel e reparação de bem
DESTAQUE
O expropriado não tem o dever de pagar pela reparação do dano ambiental no bem desapropriado, podendo responder, no entanto, por eventual dano moral coletivo.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Inicialmente, ressalte-se que nos termos da Súmula n. 623 do STJ, “as obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor”; e do Tema repetitivo n. 1204, cuja tese jurídica detalha que “as obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo possível exigi-las, à escolha do credor, do proprietário ou possuidor atual, de qualquer dos anteriores, ou de ambos, ficando isento de responsabilidade o alienante cujo direito real tenha cessado antes da causação do dano, desde que para ele não tenha concorrido, direta ou indiretamente”.
Todavia, o caso em análise se distingue da supracitada orientação quanto à possibilidade de cobrar a reparação do dano tanto do proprietário atual quanto do anterior, visto que no representativo da controvérsia se trata de aquisição derivada da propriedade (transferência voluntária), ao passo que aqui se está diante de aquisição originária por desapropriação, que tem contornos próprios e distintos.
Nesse contexto, o art. 31 do Decreto-Lei n. 3.365/1941 disciplina que “ficam sub-rogados no preço quaisquer ônus ou direitos que recaiam sobre o bem expropriado”.
Isso implica dizer que o ônus de reparação que recaía sobre o bem (de natureza histórico-cultural) expropriado já foi considerado no preço (justa indenização) que foi desembolsado pelo Município para a aquisição do imóvel, isto é, a Fazenda municipal já descontou o passivo ambiental do valor pago.
Diante desse quadro superveniente, a condenação da parte expropriada no dever de pagar pela reparação do imóvel desapropriado implicaria violação do postulado do non bis in idem, uma vez que o particular amargaria duplo prejuízo pelo mesmo fato: perceberia indenização já descontada em razão do passivo ambiental e ainda teria que pagá-lo (o passivo) novamente na ação civil pública.
Desse modo, embora a obrigação de reparação ambiental permaneça de natureza propter rem, competirá ao ente expropriante atendê-la (a obrigação), pois o valor relativo ao passivo ambiental já deve ter sido excluído da indenização.
Por outro lado, é possível reconhecer a legitimidade passiva do particular em relação ao dever, em tese, de reparar o suposto dano moral coletivo, pois, nesse caso, a obrigação ou o ônus não estão relacionados ao próprio bem, inexistindo sub-rogação no preço. O dano moral, nessa modalidade, é experimentado pela coletividade em caráter difuso, de modo que o dever de indenizar é completamente independente do destino do imóvel expropriado.
INFORMAÇÕES ADICIONAIS
LEGISLAÇÃO
Decreto-Lei n. 3.365/1941, art. 31
SÚMULAS
PRECEDENTES QUALIFICADOS
AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PATRIMÔNIO HISTÓRICO-CULTURAL. IMÓVEL. DESAPROPRIAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO. PASSIVO AMBIENTAL. SUB-ROGAÇÃO NO PREÇO. CONDENAÇÃO DO EXPROPRIADO. REPARAÇÃO DO BEM. IMPOSSIBILIDADE. BIS IN IDEM. DANO MORAL COLETIVO. REVISÃO DE MATÉRIA FÁTICA. NÃO CABIMENTO.
1. A principal controvérsia jurídica do recurso especial em exame consiste em saber se o expropriado, após a desapropriação, pode ser condenado a reparar dano ambiental por ele praticado anteriormente.
2. Esta Corte Superior, no Tema repetitivo 1.204, fixou a tese jurídica de que “as obrigações ambientais possuem natureza ‘propter rem’, sendo possível exigi-las, à escolha do credor, do proprietário ou possuidor atual, de qualquer dos anteriores, ou de ambos, ficando isento de responsabilidade o alienante cujo direito real tenha cessado antes da causação do dano, desde que para ele não tenha concorrido, direta ou indiretamente”, na linha do que anteriormente já preconizava a sua Súmula 623.
3. O caso dos autos, todavia, distingue-se dos processos dos quais foi tirada a supracitada orientação, visto que ali se estaria a tratar de aquisição derivada da propriedade (transferência voluntária), ao passo que aqui se está diante de aquisição originária por desapropriação, que tem contornos próprios e distintos.
4. O art. 31 do Decreto-Lei n. 3.365/1941 disciplina que “ficam subrogados no preço quaisquer ônus ou direitos que recaiam sobre o bem expropriado”.
5. Hipótese em que o ônus de reparação que recaía sobre o bem (de natureza histórico-cultural) expropriado já foi considerado no preço (justa indenização) que foi desembolsado pelo Município para a aquisição do imóvel, isto é, a Fazenda municipal já descontou o passivo ambiental do valor pago.
6. Diante desse quadro, a condenação da parte expropriada no dever de pagar pela reparação do imóvel desapropriado implicaria violação do postulado do non bis in idem, uma vez que o particular amargaria duplo prejuízo pelo mesmo fato: perceberia indenização já descontada em razão do passivo ambiental e ainda teria que pagá-lo (o passivo) novamente nesta ação.
7. Por outro lado, é possível reformar a decisão da origem para restabelecer a legitimidade passiva da sociedade empresária recorrida em relação ao dever (em tese) de reparar o (suposto) dano moral coletivo, pois, nesse último caso, a obrigação ou o ônus não estão relacionados ao próprio bem, inexistindo sub-rogação no preço.
8. Caso em que a Corte local, diante das peculiaridades fáticas comprovadas, compreendeu que não havia lesão de grandeza suficiente a caracterizar o abalo moral, conclusão que, para ser revista, demandaria o revolvimento do acervo fático-probatório levado em consideração na decisão, providência inviável, em razão do óbice da Súmula 7 do STJ.
9. Agravo conhecido para dar parcial provimento ao recurso especial.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do agravo, e, por maioria, vencidos parcialmente os Srs. Ministros Paulo Sérgio Domingues (voto-vista) e Regina Helena Costa(voto-vista), dar parcial provimento ao recurso especial, tão somente para reconhecer a legitimidade passiva da empresa ré para responder por eventual dano moral coletivo, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Benedito Gonçalves e Sérgio Kukina votaram com o Sr. Ministro Relator.
NOTAS
Técnica de Distinção (distinguishing) aplicada em relação à Súmula 623/STJ.
Técnica de Distinção (distinguishing) aplicada em relação ao Recurso Repetitivo REsp 1953359 e REsp 1962089 Tema: Meio Ambiente.
INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES À EMENTA
“[…] o STJ ‘possui entendimento no sentido de que, ?para se investigar, entretanto, a presença dessas condições da ação, segundo a teoria da asserção, a verificação se dá à luz das afirmações feitas pelo demandante em sua petição inicial, devendo o julgador considerar a relação jurídica deduzida em juízo ‘in statu assertionies’, ou seja, à vista daquilo que se afirmou(…)” […].
Isto é, a narrativa da inicial é que define a pertinência subjetiva das partes em relação à ação, de modo que, em regra, não se pode falar em ilegitimidade superveniente em decorrência de fato novo”.
(VOTO VENCIDO EM PARTE) (MIN. PAULO SÉRGIO DOMINGUES)
“[…] as obrigações ambientais têm como fundamento a responsabilidade civil estruturada pelos arts. 3º, IV, e 14, § 1º, da Lei 6.938/1981, que impõem o dever de reparação à pessoa física ou jurídica, de direito público público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, e independentemente de culpa, por atividade degradadora.
Interpretando esses dispositivos, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se firmou no sentido de que os degradadores assumem na ação por danos ambientais a condição de litisconsortes facultativos, cabendo ao autor da demanda definir quem vai ser demandado”.
“[…] não se pode excluir o anterior titular do bem, mesmo quando a propriedade lhe é tirada por desapropriação, e mesmo quando tenha ele comprovado que recebeu indenização descontada por haver sobre o imóvel passivo ambiental. Como já se decidiu nesta Corte, o antigo titular que causou o dano continua responsável, ainda que tenha doado a propriedade e nada recebido pela sua transferência”.
“[…] a partir de um fato incontroverso ? a exposição do bem cultural à degradação por um longo período ?, concluiu o Tribunal de origem que o transcurso do tempo dissiparia os danos morais coletivos. Na minha percepção, trata-se de uma tese estritamente jurídica, debatida no plano doutrinário, relativa aos chamados ‘danos interinos, vale dizer, as perdas de qualidade ambiental havidas no interregno entre a ocorrência do prejuízo e a efetiva recomposição do meio degradado’ […].
Quanto a tal questão, que entendo ser de direito, compreendo que, ao contrário do que decidiu o Tribunal de origem, o prolongamento da degradação no tempo não dissipa os danos morais coletivos, mas os agrava ou com eles se cumula: ‘Isso na medida em que a demora na restauração ao patrimônio ambiental cause novo sofrimento coletivo (dano moral interino), que exceda o desgosto comunitário pela degradação em si (dano moral originário)’ […]”.
(VOTO VENCIDO EM PARTE) (MIN. REGINA HELENA COSTA)
“[…] cabível o superveniente reconhecimento da ilegitimidade de uma das demandadas, sob pena de admitir-se a preclusão do poder do julgador de dirigir o processo e zelar pela adequada efetivação da tutela jurisdicional, notadamente quanto à aptidão da parte para figurar em controvérsia acerca de determinada relação jurídica”.
“[…] o dever de reparação de danos ambientais permanece hígido mesmo diante da superveniência de desapropriação, porquanto, malgrado o art. 31 do Decreto n. 3.365/1941, ao sub-rogar no preço ‘quaisquer ônus ou direitos que recaiam sobre o bem expropriado’, revele forma originária de aquisição do direito real de propriedade pelo Estado, não se pode confundir a obrigação ‘propter rem’ com os ônus reais sobre a coisa, deveres jurídicos incidentes de maneira direta sobre o próprio bem e desprovidos de igual ambulatoriedade.
No mesmo sentido, na exegese da sobredita norma, esta Corte firmou orientação segundo a qual a sub-rogação no preço por ele estabelecidanão alcança direitos de índole pessoal ou obrigacional, mas, tão somente, as relações de direito real […]”.
Fonte: STJ Jurisprudência
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